André Singer, ex-porta-voz do governo Lula, identificou, em entrevista à Revista Época , os fatores que levaram à eleição do primeiro presidente proletário do Brasil. Em síntese, sustenta que, historicamente, o PT é um partido ligado à classe média, cujos simpatizantes são, em sua maioria, servidores públicos, profissionais liberais e operários. Inobstante o clássico discurso de inclusão social, a legenda jamais conseguira alcançar os corações e mentes do eleitorado das classes D e E, os quais continuavam a votar em políticos populistas de direita. A virada aconteceu em 2002, quando uma reformulação na imagem do atual presidente passou a apresentá-lo como um lutador oriundo da miséria que superou as vicissitudes da vida, ao invés de um baderneiro a querer desconstruir as regras do país. Histórias de superação sempre acalentaram os brios dos povos latino-americanos, para quem a ascensão social é a prometida Canaã. No entanto, ao menos no Brasil, o pobre é um conservador em matéria econômica, poupador por vocação e arredio a grandes intervenções na ordem vigente. Pois foi o “Lulinha Paz e Amor” de Duda Mendonça que falou com essa parcela da população, acarretando as acachapantes vitórias do petismo sobre os tucanos nos últimos dois sufrágios.
Ocorre que, após quase oito anos, o PT não logrou construir um sucessor para seu popular líder, sendo que nomes como José Dirceu e Antônio Palocci estiveram à volta de escândalos públicos, inviabilizando-se perante a opinião pública. Isso acarretou o cenário atual em que o partido deposita todas suas fichas em Dilma Roussef, confiando cegamente na transferência de votos do político mais amado de nossa história à candidata que ele fabricou. Todavia, a atual Ministra da Casa Civil não encarna os ideais que pautaram o petismo, sejam os valores sobre os quais foi fundando há 30 anos, ou mesmo o pragmatismo do Campo Majoritário, responsável pela atual roupagem da sigla. O que ela representa, em verdade, é esse movimento a que se tem apelidado “lulismo”. O lulismo faz com que partidos orbitem sobre a figura popular do presidente com o simples objetivo de manter a continuidade de um grupo político no poder, sem a preocupação com programas de governo ou ideais. No nosso cenário político, tal é facilitado pela ausência total de programa por parte dos partidos de oposição. Preocupados apenas em denunciar a corrupção da situação, esforçam-se em jogar para debaixo do tapete a própria sujeira que produzem nos governos estaduais, olvidando de elaborar propostas para seduzir os eleitores.
Todavia, mais do que os oposicionistas, a maior vítima do lulismo é o próprio PT, cujos políticos de gabarito são escanteados, a fim de proporcionar holofotes aos “neolulistas” do PMDB e outras siglas do consórcio governista, sepultando definitivamente aqueles valores de trinta anos atrás. Não foi por outra razão que figuras como Heloísa Helena, Marina Silva e Fernando Gabeira migraram para legendas de ideologias mais sólidas. Setores do próprio partido se deram conta desse fator, desfraldando uma faixa no congresso nacional do partido com os dizeres: “Um verdadeiro governo do PT: 40 horas e estabilidade no emprego; Petróleo 100% estatal; Fim do superávit primário; Retirada das tropas do Haiti; Candidatos próprios a governador”. É de se imaginar se alguma dessas propostas são sucetíveis de acatamento pelo atual governo.
Concretizada a vitória de Dilma nas eleições deste ano, estará assinada a certidão de óbito do Partido dos Trabalhadores, com a inauguração de uma nova fase populista no Brasil. Essa, caso repetido o que ocorreu com o “peronismo” argentino, mais do que as três décadas previstas por Singer, poderá prevalecer por mais de meio século.
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